A privacidade dos 71 milhões de brasileiros que navegam na
internet vale muito dinheiro e está em risco no debate em torno das regras para
o funcionamento da rede mundial de computadores no Brasil. O texto do marco
civil da internet em discussão no Congresso vem atraindo um jogo de lobbies e
deixa brechas à proteção de dados dos usuários. A nova legislação permite que
as informações pessoais que circulam pelos sites acionados pelos internautas
sejam usadas para alimentar o mercado de publicidade direcionada.
Apesar de assegurar, à primeira vista, a inviolabilidade dos
dados, o texto em tramitação agride a privacidade do usuário, como pode se conferir numa leitura mais atenta da proposta. O perigo mora no artigo do
projeto que supostamente garantiria os direitos dos internautas. Apesar de
proibir o fornecimento a terceiros de registros de conexão e acesso, o texto
abre exceção para casos em que o próprio usuário dá “consentimento livre,
expresso e informado” para o uso de seus dados. Isso acontece, na maioria das
vezes, sem que a pessoa se dê conta. Ocorre que praticamente todos os termos de
adesão para a criação de contas de e-mails ou redes sociais incluem essa
autorização automática. O cliente não tem opção: ou concorda com os termos de
uso ou simplesmente não usa os serviços. A artimanha garante aos provedores de
serviços o acesso a dados dos internautas. A invasão se dá na forma de uma
aparente coincidência: o internauta comenta sobre um produto ou serviço na rede
e logo passa a ser bombardeado por anúncios.
A manobra é replicada nos cadastros de sites de compras e
outros serviços online. Ela é mais flagrante no Google. Ali, para abrir uma
conta no Gmail, o usuário esbarra num termo de adesão escrito apenas em inglês,
no qual abre mão da privacidade. “Você concorda que o Google pode usar seus
dados de acordo com a política de privacidade”, diz um trecho do contrato. Na
rede social Facebook não é diferente. Ao se cadastrar, o internauta precisa
aprovar os termos do acesso, que na prática representam a autorização para o
uso dos dados de navegação. “Usamos as informações que recebemos sobre você em
relação aos serviços e recursos que fornecemos a você e a outros usuários, como
seus amigos, nossos parceiros, os anunciantes que compram anúncios no site e os
desenvolvedores que criam os jogos, aplicativos e sites que você usa”, informa
o termo.
Enquanto provedores de serviços como e-mail e rede social se
beneficiam dos contratos para lhes garantir o acesso e o uso de informações dos
usuários, provedores de conexão, como as companhias telefônicas, fecham
parcerias milionárias com empresas especializadas em rastrear a navegação. A
multinacional Phorm é uma dessas empresas e hoje presta serviços para a Oi e a
Telefônica no Brasil. Sua missão é traçar o perfil dos internautas e descobrir
seus interesses de navegação. São provedores de acesso como as duas empresas de
telefonia que mais brigam para que o marco da internet não as deixe de fora do
clube de quem fatura em cima da privacidade dos internautas. O argumento é que
os sites de e-mails e redes sociais já fazem esse rastreamento, mesmo sem
previsão legal. “É uma briga grande, mas acreditamos que o texto da forma como
está fechará muitas brechas”, alega o relator do projeto na Câmara, deputado
Alexandre Molon (PR-RJ). “Sabemos que algumas empresas, como a Phorm, vivem
dessa bisbilhotagem disputada pelo mercado da rede. Queremos frear esse
comércio e impedir que a privacidade alimente os negócios. Acho que o marco é
um avanço para isso.” O parlamentar não explica, porém, como vai garantir a
privacidade dos usuários diante dos termos de adesão que o internauta encontra
pelo caminho. O governo tem pressa na votação do texto. Um dos que pressionam
pela aprovação ainda neste ano é o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo.
Na contramão do discurso de Molon, o especialista em direito
eletrônico Renato Opice Blum, da Fundação Getulio Vargas, diz que a aprovação
do marco não vai garantir a privacidade, mas apenas oficializar – se não
aumentar – o comércio de publicidade direcionada que existe atualmente. “Esse
texto não muda nada, uma vez que a maioria dos brasileiros autoriza o uso e a
divulgação dos seus dados sem se dar conta. O problema é que ninguém costuma
ler os contratos dos serviços”, diz. Para Blum, como a nova legislação não deve
frear o comércio de informações, restará aos brasileiros ter cautela ao navegar
na rede e, sobretudo, na hora de escolher os serviços que contrata. Diante da
guerra de interesses, o único consenso entre os vários atores dessa discussão é
que, aprovado o texto em debate no Congresso, ganharão força os negócios feitos
à custa da privacidade do internauta.
Fonte: ISTO É
Veja também: http://fabiohsmoura.blogspot.com.br/2012/10/redes-sociais-entenda-os-riscos-ao.html
http://fabiohsmoura.blogspot.com.br/2012/09/como-acontecem-os-milagres-nas-igrejas.html
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