28 de agosto, 2012 - A união estável
"poliafetiva" lavrada no interior de São Paulo pela tabeliã
Claudia do Nascimento Domingues entre um homem e duas mulheres trouxe à tona um
debate que divide juristas e a sociedade. Num momento pós-união estável
homossexual, já aceita pela Justiça, até onde vai o conceito de família no
Brasil?
Na visão da advogada e oficial do
cartório de notas da cidade de Tupã, não há lei na Constituição brasileira que
impeça mais de duas pessoas de viverem como uma família e a ausência da
proibição abre caminho para um precedente.
A definição de "união poliafetiva" vem
sendo usada por ela na tese de doutorado que desenvolve na USP. "Não sei
se esse será o termo mais adequado, mas é o que escolhi para empregar em meus
estudos".
Para ela, há chances de que as uniões poliafetivas
tenham uma trajetória semelhante às uniões homoafetivas, entre duas pessoas do
mesmo sexo, que após muitos anos de recursos e trâmites em diferentes
instâncias do país foram consideradas válidas pelo Supremo Tribunal Federal
(STF), que decidiu por uma "revisão" do texto constitucional no ano
passado.
"O modelo descrito na lei é de duas pessoas.
Mas em nenhum lugar está dizendo que é crime constituir uma família com mais de
dois. E é com isso que eu trabalho, com a legalidade. Sendo assim o documento
me pareceu bastante tranquilo. Trata-se de um contrato declaratório, não estou
casando ninguém", diz Claudia.
Ela explica que, em termos oficiais, trata-se de
uma "escritura pública declaratória de união estável poliafetiva", o
que, traduzindo em poucas palavras, significaria um contrato onde os três
envolvidos deixam claras suas vontades e intenções como família. Cabe a
empresas, prestadoras de serviços, órgãos públicos e à Justiça, em casos de
ações judiciais e subsequentes recursos, decidirem se aceitam o documento ou
não.
"O que se previu ali são posições
declaratórias, é a vontade dessas pessoas declarada num documento público.
Divisão de bens, responsabilidades, direitos, com algumas limitações. Eles não
podem, por exemplo, distribuir uma herança como se fossem casados, o que não
são e nem pretendem ser".
A tabeliã acrescenta que o trio, que até o momento
optou por não falar à imprensa, já tem conta corrente aberta como família,
"porque a escritura permite, a lei não proíbe e o banco aceitou".
‘Três é demais’
Outros juristas defendem que a família só pode ser
constituída por um casal, ou seja, duas pessoas, e rejeitam o conceito tanto em
termos jurídicos quanto morais.
Num sinal de novos tempos, no entanto, mesmo os
mais conservadores tomam por base que a definição de casal hoje no Judiciário
brasileiro já admite um homem e uma mulher, dois homens ou duas mulheres,
acatando a decisão do STF. Mas três é demais.
"É um absurdo. Isso não vai para frente, nem
que sejam celebradas milhares dessas escrituras. É algo totalmente inaceitável,
que vai contra a moral e os costumes brasileiros", avalia a advogada
Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Comissão de Direito da Família
do Instituto de Advogados de São Paulo (Iasp) e doutora na mesma área pela USP.
Fonte: BBC Brasil
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