Entrevista com Neelambar Hatti em 16 de maio de 2012.
Cada vez mais os indianos ricos, ‘modernizados’ e com alto nível educacional preferem não ter filhas mulheres, explica o professor Neelambar Hatti, do Departamento de História Econômica na Lund University, criando assim uma bomba-relógio.
Quantas meninas estão faltando na população indiana?
Para crianças com idade de 0 a 6, os resultados preliminares do censo 2011 mostram um declínio na proporção entre os sexos de crianças em todo o país, que passou de 927 meninas para cada 1.000 meninos em 2001 para apenas 914 meninas atualmente. Um estudo recente parcialmente baseado no censo 2011 diz que 7 mil fetos são abortados a cada dia apenas por serem meninas – o que chega a 1 milhão por ano.
Qual a facilidade de acesso a exames de ultrassom e abortos? Quanto isso custa?
O aborto com base no sexo do feto é ilegal na Índia, mas não existe qualquer controle.
Um exame de ultrassom custa de 3 mil a 5 mil rúpias (60 a 100 dólares). No Estado de Karnataka é oferecido um serviço completo, um pacote com ultrassom e aborto. Em Délhi havia anúncios que diziam: “Por que pagar 5 lakhs (equivalente a 500 mil rúpias ou 10 mil dólares) no futuro? Pague 5 mil rúpias agora e livre-se do problema”.
Por que os governos não fiscalizam o cumprimento da lei?
Nós vivemos em uma sociedade que institucionalizou a corrupção. Os médicos são altamente corruptos, assim como os políticos. Poucos anos atrás, prenderam um médico que tinha uma clínica móvel que fornecia serviços de ultrassom e aborto em sociedade com um ministro.
Nós temos leis fantásticas na Índia, mas quem é que vai implementá-las? Somente algumas ONGs é que têm procurado expor as clínicas e acusá-las, mas ninguém se importa.
Tentaram introduzir leis, anos atrás, para incentivar as famílias a terem meninas com a promessa de pagar o curso superior delas, mas isso não se enraizou. Se você manda uma filha para a universidade, ainda assim existe o risco de que ela conheça o rapaz errado.
Quais as razões que levam à discriminação contra as meninas?
Tradicionalmente, as meninas têm sido desvalorizadas na sociedade hinduísta. Uma razão para a preferência pelos meninos é puramente ritualista. Eu tenho três filhas e nenhum filho. Toda vez que estou na Índia as pessoas me perguntam: “Você já tem um menino? Ainda não? Puxa, quem fará a cerimônia da cremação quando você morrer?”. Espera-se que um filho homem acenda a pira funerária, do contrário, a alma do pai ficará perdida.
Outro fator é que, quando uma moça se casa, ela vai embora, e assim todo o investimento feito numa filha é reduzido a nada, ao passo que, no caso de um filho, espera-se que ele tome conta de você na velhice.
No entanto, encontramos aí outro fator: uma insegurança crescente entre os pais à medida que a sociedade “se modernizou”. Você tem de dar estudo à filha e mandá-la para a faculdade. Lá ela poderá se apaixonar por alguém de uma casta diferente. Isso é um desastre, porque o status da família inteira pode ser rebaixado.
As pessoas estão perdendo o controle sobre os filhos. As meninas tornaram-se mais caras em muitos aspectos. Então o que você faz? Não tenha uma filha mulher – essa é a solução deles.
Então esse é basicamente um problema das classes em ascensão e com mais escolaridade?
Esse problema é mais agudo em áreas urbanas e é muito mais um problema da classe média. Há 10 ou 15 anos, as pessoas diziam que quando houvesse escolaridade as atitudes mudariam. Mas hoje são justamente as pessoas com maior escolaridade, as que estão bem de vida, que são as perpetradoras.
Além disso, há um processo de “mimetização” – as classes inferiores imitam as classes superiores para elevar seu próprio status. As classes rurais estão cada vez mais recorrendo ao aborto porque elas veem a classe rica fazendo isso.
Vídeo do youtube: canal Edileuda Contente
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